sexta-feira, 8 de maio de 2020

Vida.


Quem me pode condenar por a morte me aterrorizar? Eu sou a Vida e temo que deixe de o ser, pois o nada é o meu maior inimigo; não que me considere tudo num sentido estrito e literal de tudo, mas entendo que se o meu nome é Vida este pressupõe realidade, matéria, forma, paixões, pensamentos, prazeres – como, por oposição, certas irrealidades (os sonhos por exemplo), imatéria (fundamentalmente conceitos dos quais eu, entre muitos outros, sou criador), ausência de paixões e pensamento (sou livre de não sentir e/ou pensar), desprazeres. Possivelmente, isto que apresentei pode não estar inteira e inequivocamente conotado como sendo tudo, compreendo e aceito que assim é. Até porque se o tudo fosse este tudo, naturalmente resignar-me-ia, acomodar-me-ia e deixaria de ser Vida para me transformar num ser imutável, infalível e essencialmente estagnado. Ora, o meu nome não se coaduna com estas palavras.

Concluo, portanto, que tudo não sou e nem será esse o objectivo que devo procurar. Concluo também que não quero ser nada porquanto apesar de possuir um significado antitético de tudo, são dois conceitos equivalentes. Eu que sou Vida, não temo o tudo porque este é inatingível enquanto tudo, mas inevitável enquanto nada. O que é a imutabilidade, a infalibilidade, a estagnação – e outros nomes a estes subjacentes – do que meros atributos do nada? A evolução, a continuidade, a mutabilidade e, por aí adiante, estes sim são efectivos atributos da minha personalidade enquanto aquilo que sou – Vida.
Assim, o medo da morte é-me intrínseco, até porque, na verdade, ela é minha parente: a minha filha bastarda. Não me condenem por ter medo dela, é ele que me faz viver ainda mais; é resultado deste medo que o meu nome é Vida; é de todo preferível temer a morte do que morrer ainda vivo. Eu sou a Vida e, inexoravelmente deixarei de o ser, mas jamais mudarei o meu nome para Morte quando em vida.

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