sexta-feira, 15 de maio de 2020

Beijo.

O toque de umas mãos macias e reconfortantes é cada vez mais especial porque é um toque de mãos especiais. Pudera, é um toque teu, então sempre especial. No entrelaçar dos teus dedos nos meus, é como que dois corpos se fundissem numa espécie de ser inigualável e desconhecido, contudo tão forte e tão belo. São os teus dedos que saciam os meus, os meus servem-se dos teus para se sentirem possuídos e amados. Agora não tremem! Nem transpiram! E porque os teus dedos são especiais e por serem teus são especiais - e por fazerem os meus se sentirem especiais - tornam-se ainda mais especiais. Só porque são teus.
Num abraço onde os meus braços jogam com os teus, encaixam como uma peça num puzzle, e o meu tronco cola-se ao teu, eu deixo de existir, deixo de sentir os meus pés pousados no sólido chão. Fico descalço e ganho asas, asas que não voam mas flutuam, parece que tu me seguras com o teu olhar de longe. Sim, porque o teu corpo naquele instante também é meu, e o meu é teu, eu já não sei o que nos distingue. Apenas sei que naquele momento tudo à nossa volta está deserto até porque nada existe a não ser o nosso abraço. E por ser o teu abraço é especial, não só por ser teu, mas por me proporcionar o que me proporciona, não só por ser um abraço, mas também por ser o teu abraço. Por isso um abraço especial, por isso me é concedido a magia do céu. Só porque a tua cabeça se encosta ao meu ombro.
Num beijo ofegante, numa junção de dois lábios húmidos de sede de se beijarem, no leve fechar de olhos, eu figuro-me transcendente até o meu humanismo se esconder dentro da minha língua. Na escuridão da minha visão vejo perfeitamente o teu rosto. Admiro-te antes de derradeiramente fechar os meus olhos antes do beijo, e a tua imagem fica, deixo de ser composto por sangue, é a tua expressão que me invade e que me preenche, como ondas fortes a destruírem o areal de uma praia. Quando, depois do afastamento dos lábios, trincados de seguida pelos nossos dentes como sinal do nosso desejo, tudo o que é físico em mim adormece, menos a boca que sorri e os olhos que brilham de um brilhar inocente; não consigo afastar-me mais de meio centímetro da tua cara, e, os meus lábios mais uma vez tremem. Sofrem por ti, pelos teus lábios. Porque querem-te beijar, o teu beijo especial. Aquele que por ser dado pelos teus lábios, pela tua língua, torna-o especial; por ser sentido por ti já por si só é especial. É especial não porque é um beijo, mas sim porque é o teu beijo, o nosso beijo. Será sempre especial para nós!
Amanhã quando acordarmos vamos sentir o toque da mão de cada um, o corpo um do outro perto apesar de distante, e vamos sentir os lábios que ainda ontem foram beijados e tudo vai parecer uma insanidade, uma ilusão fresca e recente, um sonho precoce, uma irrealidade desejada... No entanto, quando finalmente saborearmos o nosso paladar e sentirmos o aroma que nos circunda aperceber-nos-emos que o sabor é maravilhoso e bem real, e o cheiro é imensamente bom e bem presente. Porque afinal tu existes e eu existo. E nós, nós somos especiais por sermos nós! E nós tornamo-nos especiais por existirmos e sabermos da existência um do outro. Amanhã ou depois de amanhã continuaremos a ser especiais, porque isso não morre.

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