Tomo um café. Fumo um cigarro.
Depois outro. “Está frio”, ouço por entre outras palavras, umas percetíveis
outras não, que são soltas e propagadas num espaço onde coexisto com esses
seres falantes. Olho lá para fora e tudo é radicalmente diferente mas maravilhosamente
semelhante ao que aqui dentro deslumbro. Ao meu redor, neste pequeno espaço
interior, sou alguém, mesmo que numa micro-escala, sei que, se sair e abrir as
portas do exterior serei apenas mais um: invisível, indetetável e insensível
até para mim próprio. Opto e prefiro, portanto, ficar. Fumo mais um cigarro. E
penso. E sou alguém.
A janela que me separa do
exterior reflete árvores despidas sem pudor nem frio, pessoas que, pelo contrário, respiram ar
gelado combatendo-o com roupas quentes sobre roupas quentes, ajeitando-as por
vezes quando estas teimam em não as proteger convenientemente, como se
tivessem vida própria. Todas estas pessoas caminham paralelamente aos carros que vão circulando na estrada. Não sei para onde
vão, nem os caminhantes nem os condutores e respetivos passageiros.
Possivelmente todos eles têm um fim nesta rotineira viagem, impossível porém de
o determinar. Sei sim que a Grande Viagem
comum a todos nós tem também em comum o seu destino. É dado adquirido, não o
debaterei por isso.
Por ora, analiso o que os meus
sentidos me declaram. Vejo uma imensidão que me fere os olhos, todavia, é como
que se essa ferida me cegasse – tudo observo e nada se me deixa observar.
Quanto aos outros quatro sentidos posso simplesmente constatar o paladar, ora
agradável ora execrável a tabaco, embora compensado pelo sabor do café ainda presente; a audição já se perdeu em
bosques de sons exteriores e mares de sons (vozes) interiores, assim sou surdo
e tudo ouço, mas só a mim me faço ouvir, não compreendo pois o que ouço; o
tacto é caneta e papel, pouco mais a dizer; por fim, não tenho olfacto apurado,
digo então que cheiro palavras e pensamentos, sinto o perfume da escrita.
Dou por mim sentado e a fumar
novamente. Tanto movimento à minha volta e eu não saio do sítio. Mesmo que me
mova, na realidade continuarei imóvel enquanto os outros giram num carrossel
onde sou espectador. Posso correr a maratona, pode consequentemente o meu corpo
esgotar-se, continuarei mesmo assim, inerte. Podem todos os outros estarem estáticos e eu só interpreto movimento.
Enfim, parece que o que me é exterior é a Terra e eu sou Sol, um Sol, no
entanto, que nada ilumina nem se deixa iluminar. O Sol natural dá luz a tudo o
resto e eu que nem sei que tudo o resto é
esse.
Tenho a impressão de aqui estar
há uma eternidade quando só há pouco existo. Tenho, ao invés, a impressão de
que ninguém está aí, nem esteve, nem nunca estará. Existo e imobilizo-me
intemporalmente pensando. O tal resto
talvez exista, mas não pensando o seu pensar e o seu existir temporalmente
contínuo.
Fumo o último cigarro. “Adeus” é
a última palavra que ouço. “Quem me fala”, é a primeira e eterna pergunta que
faço. Saio para o exterior e volto assim a ser mais um caminhando em direção
incerta, mas sem sair do sítio.
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