Cala-te! Endoideço em te ouvir
não falar, por entre e através de mim. Deixa-me futuro, deixa-me, por favor, em
paz! Peço-te! Imploro-te! Criei-te por minha imaginação e da minha mente
fizeste tua, possuíste-a sem que te desse tal autorização, contra minha vontade
infringiste a mais suprema das regras definidas por mim: passaste ao controle.
Devo ser deus de mim próprio, e tu diabólico futuro transformaste-te, sem que
me apercebesse, em meu deus; o meu deus é agora o diabo, portanto, sou eu agora
o diabo de mim próprio, quando o que eu sempre quis – e continuo a querer – foi
ser o meu Deus. Desacreditei perante todo o meu mundo os mais variadíssimos
deuses para que o meu fosse magnânimo para, por fim, ele deixar de existir por
substituição do diabo.
Cala-te! O teu silêncio ensurdecedor faz-me doer a cabeça. Cala-te, fala mas cala-te! Entendes? Podes aí
estar, é inevitável que estejas, mas não lances a chama da loucura para diante
de mim. A minha loucura pessoal basta-me, não necessito nem me interessa a tua.
Duas loucuras somadas dão um resultado infundado, de loucura desmedida,
incalculável. Quero ser presente na minha presença; quero ser louco na minha
loucura; quero ser ser no meu ser; quero pensar o presente, porventura o
passado (não me parece mal); quero morrer já, se assim tiver que ser – não quero
morrer em antecipação; quero ter-me aqui comigo e não lá onde ainda não estou.
Por isso, vai, vai-te embora, para o teu lugar. A gruta do futuro é no futuro, é
impenetrável. Porque é que então me fazes entrar nela? Porque me fazes
escuridão, ruído silencioso e matéria intangível? Gentilmente solicito-te que
te cales, mas como, se estou preso na tua gruta? Só saindo dela calar-te-ás, não
que deixes de zumbir nos meus e de todos os ouvidos, mas porque deixarei de ser
teu escravo. Pode um senhor não sequer falar ou gritar com o seu escravo, contudo
este último não deixará de o ouvir, de lhe incomodar. A liberdade é o objetivo,
torturante desejo que impede o silêncio. Quero ser livre de ti meu senhor
futuro, meu diabo!
Cala-te! Liberta-me! Liberto-me,
tenho e devo que me libertar. A liberdade está nas minhas mãos. Permito-me
convencer de que é possível mandar de volta o diabo que, de momento sou, para o
Inferno e chamar o deus que havia em mim de volta. Conseguirei regressar à
minha omnipresença presente abrindo a barreira invisível que separa a gruta do
mundo livre e presencial.
Calei-te? Ah pois!, não mais voltar-me-ás a ter, pois
serei para sempre intemporal, imortal na minha contingência. Até sempre. Ou
será até quando?
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