terça-feira, 12 de maio de 2020

Maratona.

Era escuro, a noite negra de indiferença, adormecida no nada de uma avenida sem fim. Sentia-se o aroma irritante de um elemento desconhecido, talvez mijo de gato, ou quem sabe, de humanos que sem qualquer pudor, com alguma dificuldade em controlar o seu corpo, não hesitaram em aliviar o de mais sofrimento. A música surda de sons inexistentes, mas que existem no nosso imaginário - conseguimos, então, ouvir o nosso inibido pensamento. A voz do cérebro impõe-se perante nós, perante todo o nosso corpo físico, perante a nossa visão, como que sem explicação falasse para nós...e não éramos nós. E eu pergunto: quem seria? Quem será tão mal educado e rude para invadir a nossa restrita consciência? Quem entra em mim? Quem fala comigo? Serei eu? Quem sou eu?
Agosto, na virtude do mês, num ano desinteressante como já há muitos permanecia; noite, noite, a madrugada a caminho, e eu andando ligeiramente, por vezes, um pouco lento quando algo me intrigava por mais inútil que fosse, pelas ruas, e que ruas? Porque nada me interessava, o sítio não me interessava, os carros não me interessavam, ninguém me interessava, eu não me interessava por mim, a vida não me interessava naquele momento. O momento era, incompreensivelmente não meu e pouco existente. No fundo, sei que aqueles minutos intemporais foram nada, foram pertencentes a uma alma desconhecida de alguém que não conheço. Sim, desconhecia e desconheço qual a alma que me fala ao ouvido directamente para a minha camada cinzenta dentro de mim criada pelo meu inconsciente. No entanto, tudo fazia sentido mas nada era racional.
Perante isto, hoje questiono-me se vale a pena questionar-me. Sei que cada vez menos sei, por isso, para quê compreender o que não se compreende? Hoje, as diferenças e as semelhanças continuam, mas com menos clareza e, ao mesmo tempo com mais sabedoria. A vida corre como numa maratona, há quem desista porque não consegue prosseguir; há quem se arraste porque não tem coragem e a estupidez de desistir; há quem se situe em último porque faz o que pode, é bravo e persistente, mas é incapaz; há quem se deslumbre no primeiro posto, no entanto, as surpresas e as desilusões acontecem, não controlamos o nosso corpo, nem em sonhos a nossa vida; há, ainda, quem corra com prudência, mas sempre ao mesmo nível, a bom nível rumo ao triunfo; há, por ultimo, quem participe na maratona porque por coincidência lá foi parar, interrogando-se assim o que lá está a fazer, o que faz com que ele corra. E, neste caso, normalmente, estes pensam mais do que correm, teorizam mais do que agem, e então, não saem do mesmo sítio, da mesma posição, da vida monótona e triste.
Neste último grupo de pessoas estou eu incluído. Porquê, eu não sei! Sei, pois, que vejo em tudo o nada e no nada o tudo. Tento-me revoltar mas não consigo, tento acordar mas num sono vivo...morto.

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