Nascer é a primeira grande
vitória, mas se não continuarmos a vencer ela facilmente transfigurar-se-á em
derrota, a maior e mais proeminente derrota. Pode-se objectar dizendo-me que a
morte, essa sem dúvida é a pior e imensa queda, além de frustrante –
salvo raras lamentáveis excepções –, visto consistir numa inexorabilidade, injustiça e
incontrolabilidade indubitável. Respondo afirmando que tudo aquilo que não é já
vida, mas o fim desta, é uma simples contingência da nossa natureza, enquanto
que quando em vida só nós próprios impossibilitar-nos-emos, seja por
voluntarismo ingénuo, seja por pura incapacidade, seja, pior ainda, por ignóbil inércia e execrável ócio, de vencer continuamente.
Entendo as nossas limitações, como penso todos nós entendemos, se não entendem começa desde aí o erro e o
princípio para a derrota eterna; conheço também todas as nossas virtudes
enquanto Homem, tal significa que conheço bem a terra que piso, no entanto
avisto frequentemente o céu que me vai pairando. Por isso, o ser humano olha para os seus pés, para a terra que os sustenta e interpreta subjectivamente -
porque todos apesar de homens somos acima de tudo sujeitos – qual os passos
limitativos e sinuosos do caminho a percorrer, para que depois de interpretados
possa aí sim iniciar a sua caminhada já de cabeça erguida para o céu, o mesmo é
dizer, para a vitória. Quero com isto demonstrar que, porventura, não
alcançaremos o céu, não voaremos, não ganharemos asas, é essa uma das nossas
físicas limitações; contudo, como seres pensantes voamos com asas ainda bem
mais belas e eficazes, e no percurso que aceitamos e escolhemos explorar, as
vitórias são conseguidas etapa a etapa, estrada a estrada: todas elas são
vitórias. Parar, perdermo-nos no mapa que de antemão delineamos são sintomas de
derrota. Sentir que em breve pararemos ou que nos perderemos são sintomas
derrotistas, que apenas levam ao porto da derrota. Vencer caminhando só se
conseguirá pensando que estamos a vencer, que continuaremos a vencer e que
qualquer contratempo não passa disso, um contratempo, resolúvel com mais uma e
outra, e mais outra revisão do mapa.
Estejamos, todavia, alertados
para a presunção, ilusão, arrogância e maldade. Nada atingiremos sem uma dose,
mais do que significativa de realismo, sem que se confunda realismo com
pessimismo e resignação; nada atingiremos às cavalitas de outros, nem de nós
próprios: não sejamos mais do que aquilo que somos verdadeiramente em cada
ocasião e situação, não sejamos menos do que aquilo que somos verdadeiramente
em cada ocasião e situação, e não sejamos medíocres e maldosos para com os que
nos rodeiam porque no fim a taça estará nas nossas mãos, mas em vez de
vinho terá veneno. Pior, a vitória
saberá a derrota pois ganhar à custa de outros é desviarmo-nos para uma outra
estrada: a da perda de personalidade e identidade. Não é isto que deve ser
entendido como vitória, compreendo a vitória como uma superação constante de
novos desafios, insisto, olhar para o mapa desenhado a nossa gosto depois de
minimamente conhecer o mundo, e dentro do possível profundamente a nós
próprios, e assim assinalar todos os pontos do mesmo que fomos passando, e
quaisquer outros que ainda possamos ao longo do tempo desenhar. O mapa é
infinito, a nossa vida não. O nosso corpo é contingente, a nossa razão dizem
que sim, mas os sonhos, desejos e vontades absolutas que racionalmente nos
vamos cercando são ilimitados. Pois bem, é nisso que consiste o mapa. Pois bem,
a vida consiste em ganhar. Como? Desenhando-o (o mapa), percorrendo-o,
desenhando mais sempre que atingidos os pontos fulcrais, e assim sucessiva e continuamente.
O homem nasce da vitória
festejando o seu nascimento com gritos e grande aparato, e, não obstante morrer
- sendo que essa é uma tremenda derrota da natureza –, é nosso dever fechar os
olhos para a eternidade com uma sensação silenciosa e emocionada de vitória.
Honremos o que somos, trabalhemos para ganhar não só durante toda a vida mas também
no momento da morte com um último pensamento suspirante: “Venci!”.
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